O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi alertado sobre indícios de irregularidade na negociação do Ministério da Saúde para a compra da vacina indiana Covaxin, conforme o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF). “No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”, informou o parlamentar nesta quarta-feira (23).
Miranda pertence à base do presidente e não quis responder se Bolsonaro prevaricou. “Levei [o caso] para ele porque confio nele. Espero que ele tenha feito alguma coisa”, disse o deputado. Miranda e o irmão, Luís Ricardo Fernandes Miranda, serão ouvidos pela CPI da Covid no Senado nesta sexta-feira (25).
O irmão do parlamentar é chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde. Foi este que relatou ao Ministério Público Federal (MPF), em depoimento em 31 de março revelado pelo jornal Folha de São Paulo, ter sofrido uma pressão incomum para assinar o contrato.
Naquele encontro, de acordo com o parlamentar, Bolsonaro prometeu acionar a Polícia Federal para investigar o caso. “Para poder agir imediatamente, porque ele compreendeu que era grave, gravíssimo”, explicou Miranda. Nesse sentido, ele também afirmou que não recebeu retorno de Bolsonaro ou da PF. “Não era só uma pressão que meu irmão recebia. Tinha indícios claros de corrupção.”
A Covaxin é produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech e negociada no Brasil pela empresa Precisa Medicamentos.
SEM REGISTROS
O encontro em que Luis Miranda teria alertado Bolsonaro sobre supostas irregularidades na compra ocorreu em um sábado e não está registrado na agenda oficial do presidente. Naquele dia, Miranda publicou nas redes sociais uma foto ao lado do presidente.
Nesta terça-feira (22), o deputado disse à Folha de São Paulo que havia encaminhado os relatos de seu irmão a autoridades, mas não quis confirmar para quais.
“Se eu responder para você, cai a República”, situou.
O Governo fechou contrato para compra da Covaxin em 25 de fevereiro, no momento em que tentava aumentar o portfólio de imunizantes e reduzir a dependência da Coronavac, que chegou a ser chamada por Bolsonaro de “vacina chinesa do João Doria”.
PRESSÃO ATÍPICA
Na última sexta-feira (18), a Folha de São Paulo revelou o teor do depoimento dado ao MPF pelo servidor, irmão do deputado. Ele apontou pressão atípica para a importação da Covaxin. A oitiva, enviada juntamente com o inquérito à CPI da Covid no Senado, é mantida em sigilo pelo Ministério Público Federal.
A Procuradoria ainda desmembrou e transferiu a investigação sobre a compra da Covaxin ao identificar indícios de crime no contrato entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos.
O valor do contrato da Covaxin é de R$ 1,61 bilhão. O custo de cada um dos 20 milhões de doses, US$ 15, é o mais alto dentre todas as vacinas adquiridas pelo ministério. A pasta afirma que só fará o pagamento quando receber os lotes.
Os prazos previstos em contrato já estão estourados. Somente no último dia 4 a Anvisa aprovou a importação de doses, e com restrições.
A aprovação na agência sanitária foi facilitada por mudança na legislação que partiu de emendas a uma medida provisória, como a apresentada pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do Governo Bolsonaro.
Em nota, a assessoria do parlamentar nega interferência e cita propostas similares de deputados da oposição, como Orlando Silva (PC do B-SP).
CASO SERÁ LEVADO À CPI
Sócio da Precisa, Francisco Emerson Maximiano, deve prestar depoimento à CPI na próxima semana. A comissão também pediu a quebra dos sigilos do empresário.
Os senadores querem apurar se houve irregularidade na compra da vacina. O contrato foi fechado antes do aval da Anvisa ao imunizante, e por um preço mais alto que o negociado com a Pfizer, (US$ 10), por exemplo.
Maximiano também é presidente da Global Gestão em Saúde, segundo registros da Receita Federal. E a Global figura como sócia da própria Precisa, segundo os dados da Receita.
A Global recebeu cerca de R$ 20 milhões antecipados, em 2017, para a entrega de medicamentos para doenças raras ao SUS, o que nunca aconteceu. O atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, era ministro da Saúde à época.
O irmão do deputado Miranda também depôs neste caso, apontando irregularidades. A Saúde ainda negocia a devolução da verba.
Procurado, o Palácio do Planalto ainda não se manifestou.
Diário do Nordeste
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