O presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto Leonel de Oliveira Lima, disse à BBC News Brasil preferir que o órgão comandado por ele continue na estrutura do Ministério da Justiça, em vez de passar ao controle do Ministério da Economia.
A mudança é cogitada por deputados e senadores, para os quais o titular da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro, teria ganhado poder excessivo com as mudanças na Esplanada dos Ministérios feitas pelo presidente Jair Bolsonaro no começo do ano.
Nos últimos anos, relatórios do Coaf foram fundamentais para várias investigações contra a corrupção – embora o órgão raramente apareça em destaque no noticiário.
Uma exceção se deu no começo de 2019, quando veio a público um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) do Coaf sobre a gestão do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL). O documento mostrou que um ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, fez 48 depósitos de R$ 2 mil para o político, hoje senador pelo PSL do Rio.
O Coaf surgiu em 1998 e fez parte do antigo Ministério da Fazenda até o começo deste ano.
Estabelecimentos que movimentam valores altos – como bancos, corretoras, joalherias, concessionárias de automóveis e até empresas que agenciam atletas – são obrigadas por lei a enviar informações ao Coaf sempre que detectarem transações altas em dinheiro vivo ou com indícios de irregularidades.
O repasse de informações deve ser automático em alguns casos, como operações em dinheiro acima de R$ 50 mil, ou quando houver movimentação atípica – um valor que fuja do padrão de transações do cliente ou seja incompatível com seus rendimentos. E são muitos os casos assim: hoje, passam de 14 mil por dia, segundo Leonel. É no meio deste “mar” de notificações que os técnicos buscam os dados que farão a diferença para as investigações criminais.
A possível volta do Coaf para o Ministério da Economia está sendo discutida pelos congressistas na tramitação da Medida Provisória (MP) 870, que reorganizou o governo e reduziu o número de ministérios de 29 para 22. Até agora, a MP já recebeu 541 sugestões de mudanças dos congressistas. A volta do Coaf para o Ministério da Economia seria uma demonstração de força do Congresso e um recado para Moro. A MP precisa ser aprovada até o começo de junho, ou perderá a validade.
Auditor fiscal da Receita há mais de 30 anos, Roberto Leonel já trabalhou com Moro antes: chefiava a área de investigação da Receita em Curitiba (PR), quando Moro comandava a Lava Jato na capital paranaense. No Paraná, era o responsável pelos levantamentos contábeis necessários à investigação.
Desde que chegou a Brasília, Roberto Leonel trabalhou para aumentar a estrutura do Coaf – que, segundo ele, funcionou com número insuficiente de servidores nos últimos anos. No início de 2019, eram apenas 37 pessoas trabalhando no órgão. Hoje são 45, e o plano é chegar a 70 no meio do ano, diz Leonel.
Segundo ele, a vinda dos novos servidores só ocorreu porque o Coaf foi um dos poucos órgãos no MJ aumentar o número de gratificações disponíveis para trazer servidores de outras partes da Esplanada – a chamada “função gratificada”. Além disso, a Medida Provisória de Bolsonaro estendeu ao Coaf uma prerrogativa que antes era apenas da Presidência da República: as requisições de servidores não podem ser recusadas pelos seus órgãos de origem. São “irrecusáveis”.
Apesar de já ter dito que prefere que o Coaf continue sob o Ministério da Justiça, Bolsonaro admitiu que pode negociar com o Congresso a volta do órgão para a Economia. Já Sérgio Moro usou o Twitter para defender a manutenção do Coaf onde está hoje.
A ampliação do Coaf corre risco se ele for parar sob as asas de Paulo Guedes no Ministério da Economia? “Sim”, diz Leonel. “Aliás, mantendo a estrutura, e o poder de requisição, em tese, o nosso trabalho continuaria sendo o mesmo. O Coaf sempre atuou de maneira técnica, e vai continuar atuando. Dentro de qualquer ministério que esteja”, pondera ele.
Das 541 sugestões dos congressistas, uma ataca diretamente o plano de Leonel: a de número 21, do deputado Hildo Rocha (MDB-MA), acaba com as requisições “irrecusáveis” do Coaf. “É compreensível que as requisições para a Presidência da República sejam irrecusáveis. Trata-se, contudo, de regra excepcional, que não deve ser estendida indiscriminadamente”, escreve Rocha ao justificar a emenda.
“O que mudou (com a ida para o Ministério da Justiça) foi o apoio enorme que tivemos. Desenvolvemos relacionamentos estratégicos com outras áreas do Ministério e tivemos a integração das bases de dados de vários outros órgãos, que nos deu um acesso (às informações) muito mais rápido e seguro”, diz Leonel.
Moro também apoia o Coaf nas suas demandas, diz o presidente do órgão. Leonel cita o empenho do ex-juiz em favor de uma lei que acelera o bloqueio de bens de pessoas ligadas a organizações terroristas. A lei foi aprovada em fevereiro pelo Congresso, depois de anos parada.
“Com o empenho pessoal do ministro, conseguimos em dois meses a aprovação. Já estamos trabalhando agora no decreto que a regulamenta”, diz. A norma é uma recomendação do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), uma organização internacional contra crimes financeiros.
Com os novos funcionários, Roberto Leonel está ampliando duas áreas dentro do Coaf. Uma delas atua na cooperação com o Ministério Público e as polícias.
A outra visa melhorar a qualidade da ciência de dados usada pelo órgão para achar os casos importantes em meio as 14 mil notificações diárias. Esta última já existia, diz Leonel, mas tinha apenas um servidor efetivo. O plano é que tenha pelo menos sete até o fim do semestre.
Leonel vê a melhora da qualidade desses mecanismos de busca como objetivo da maior importância. Segundo ele, o órgão armazena hoje os dados de 17 milhões de transações financeiras – um palheiro no qual é muitas vezes difícil achar as “agulhas” que faltam para a polícia ou o Ministério Público.
“De repente nós temos uma comunicação importante, que tem um dado importante para uma investigação criminal. Ela está guardada lá no nosso banco de dados e não deu tempo de ser trabalhada. Ou o nosso sistema de gerenciamento de risco não viu aquilo. Então nós temos que melhorar os parâmetros de gerenciamento de risco, de mineração de dados”, diz ele.
Coaf nunca perseguiu políticos, diz presidente
À BBC News Brasil, Roberto Leonel disse ainda que o Coaf nunca “perseguiu” quem quer que seja – entre outras coisas, porque grande parte do trabalho é feita de forma automática.
“Como unidade de inteligência, o Coaf sempre trabalhou com análise financeira de forma de uma maneira absolutamente técnica. Independente do alvo ser um político, do alvo ser um traficante, um sequestrador”, disse.
“Essas análises são feitas, na maior parte dos casos, de uma maneira eletrônica. Em função do número de comunicações, em função de vários parâmetros que nós temos no nosso sistema de gerenciamento de risco”.
“Independente de qual ministério estejamos vinculados, este é o trabalho do Coaf. É um trabalho técnico, que continuará a ser feito (da mesma forma), desde 1998”, disse ele.
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sérgio Moro — Foto: José Cruz/Agência Brasil
Roberto Leonel também é enfático ao dizer que o Coaf “nunca” vazou informações sobre suas investigações. Segundo ele, o que acontece é que alguns dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) são juntados aos processos – e podem, eventualmente, vir a público.
Ele diz ainda que o órgão não sofreu qualquer ingerência em seu trabalho no caso de Fabrício Queiroz – mesmo que um dos envolvidos seja filho do presidente da República.
Em alguns casos – como os de pessoas que já foram investigadas – os relatórios são produzidos de forma automática pelo sistema, e enviados diretamente para os investigadores.
“O próprio sistema, em casos de figuras PEPs (sigla em inglês para Pessoa Politicamente Exposta), já emite os RIFs de maneira automática. Quando entra uma comunicação de uma determinada pessoa, que já sofreu uma análise financeira do Coaf, e está sob investigação (…), automaticamente é gerado um novo Relatório de Inteligência Financeira”, diz ele.
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